architecture parallax : blind spot

pinacoteca do estado de são paulo - sp   2006 • curator ivo mesquita

Projeto Octógono : Arquitetura Paralax


Paralaxe: Acepções; substantivo feminino 


1 deslocamento aparente de um objeto quando se muda o ponto de observação   2 Rubrica: astronomia. 
     

aparente deslocamento angular de um corpo celeste devido ao fato de estar sendo observado a partir da superfície e não do centro da Terra ou por estar sendo observado a partir da Terra e não do Sol.                      (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Objetiva, Rio de Janeiro, 2001)



Em 1929, o arquiteto francês Le Corbusier visitou o Brasil, e impressionado pela São Paulo que começava a crescer e transformar-se na metrópole que é hoje, propôs, com certa informalidade, como estrutura de um plano piloto para a cidade, o cruzamento de duas linhas retas, duas vias expressas, atravessando a cidade de ponta a ponta. De alguma forma ele anteviu a explosão urbana desordenada e a futura metrópole que se enunciava, estabelecendo um lugar, onde, atualmente, radiais, marginais, minhocões, mais ou menos seguem a estrutura proposta pelo mestre do Modernismo. Esse mesmo gesto, cruzar duas linhas retas – expressão mais imediata de um desejo de ordem e organização – é o fundamento do plano piloto de Brasília, na concepção de Lúcio Costa, no tempo em que o olhar brasileiro era regido pela Arte Concreta. O trabalho de Alexander Pilis para o Projeto Octógono recupera esse gesto primordial e fundante no pensamento da paisagem urbana no país, ao traçar/demarcar com quatro grandes mesas uma instalação, que, de um lado, evoca a memória dos dois arquitetos, de outro, apresenta uma leitura crítica do artista sobre a cidade – a falência do modelo modernista e da norma capitalista – traduzida em uma espécie de grande maquete da paulicéia desvairada, celebrada no verso de Mario de Andrade.  


Desde 1984, Pilis vem desenvolvendo uma pesquisa sistemática e afetiva sobre São Paulo, articulando uma rede de colaboradores em diversas disciplinas, para desenhar uma cartografia da cidade por meio de fotos, anotações, documentos, textos, leituras, que ele organiza em instalações, vídeos e publicações. Seu trabalho concentra-se na discussão sobre métodos e modelos, aspectos conceituais e ideológicos, da arquitetura, questionando os modos em que ela opera na construção da percepção do espaço e do ambiente em que vivemos. Ao mesmo tempo, ele trabalha com noções emprestadas da Ótica e da Astronomia para problematizar o sistema de construções e representações do olhar e empreender uma crítica ao que ele chama de “processos de modernização da visão” (tecnologia, informática, espaços virtuais, artificialidade dos sentidos, além do design e da linguagem da arquitetura).  Daí ele explorar em seus trabalhos mais recentes o conceito de “cegamento” (blindness), seja como condição física, seja como estado de saturação dos sentidos na existência contemporânea.  


A instalação O arquiteto cego: num piscar de olhos e o livro que a acompanha, São Paulo: Memory of Disruption, são partes de um trabalho em processo, um esforço de registrar, comentar e discutir as transformações ocorridas na cidade – física, social e culturalmente – ao longo de mais de vinte anos. O trabalho desenvolve-se em três momentos: o primeiro, no espaço do Octógono, quatro mesas de blocos de concreto e madeirite, elementos presentes em qualquer canteiro de obras, mostram uma coleção de fragmentos – referência aos diversos fragmentos que constroem a cidade – selecionados de um arquivo maior relativo à arquitetura, ao urbanismo e à história de São Paulo, e que exibem uma paisagem construída de vidro e papel, criando um panorama paulistano no espaço do museu. As duas cadeiras, disponíveis aos visitantes que quiserem sentar, ler o livro ou escutar as entrevistas de Lúcio Costa e Lina Bo Bardi, são componentes apropriados da instalação feita pelo arquiteto e artista canadense Larry Richards, White City, Red City, em 1986 no SESC-Pompéia, e que apontava para o alucinante processo de construção e renovação urbana como determinante da identidade diversificada e em constante movimento de São Paulo. Depois o vídeo O arquiteto cego encontra Rembrandt, encena, com humor e sensibilidade, uma espécie de pantomima, onde um cego em confronto com um espaço anódino, encontra-se com um auto-retrato do pintor holandês. E por último, um par de binóculos instalados no belvedere da Pinacoteca, onde um olha para a cidade (o panorama real), e o outro para dentro do museu (a representação, a crítica), faz a transposição do mundo exterior para o espaço interior da exposição. Dessa forma, Alexander Pilis empreende a desconstrução dos referentes usuais, das normas ordenadoras nos sistemas de percepção, para afirmar o princípio no teorema da paralaxe: só se pode aproximar a realidade de modo sensato se forem consideradas as possibilidades de muitos pontos de vista.


Ivo Mesquita